Altarriba e uma história pessoal em quadrinhos

O trauma familiar costuma ser o tema de várias histórias, mas muito raramente, para não dizer que não foi nenhuma vez, é adaptado aos quadrinhos. Mas os quadrinistas Antonio Altarriba e Kim ousaram e conceberam, em 2009, o livro “A arte de voar”, um drama histórico e pessoal em que Altarriba, que roteiriza a obra, conta a história de seu pai, um homem que viveu o coração da história espanhola no século XX. Passa pelo enfrentamento ao franquismo, ao nazismo, pela marginalização e, depois, pela velhice, o mais árduo de seus adversários.

Um camponês, do trabalho à guerra

Antonio Altarriba, o pai, nasceu no início do século XX, de uma família agrária. E assim viveu, até que, diante das ameaças econômicas que ameaçavam a vida no campo, teve de ir trabalhar na cidade, onde percebeu-se explorado e foi se alinhando às fileiras dos amigos revolucionários anarquistas. Isso em meio à tensão política enfrentada pela Espanha naquele início de século, às voltas da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Civil Espanhola, ambas consequência da ascensão do fascismo como resposta à organização da classe trabalhadora.

A Guerra eclode, Antonio é forçado a lutar na guerra civil, em que conhece as realidades da morte e da tortura, mas também da solidariedade e determinação. Derrotado na guerra, é obrigado a se refugiar em Paris, para, logo em seguida, ver-se protegendo-se do nazismo na Segunda Guerra Mundial. Finda a guerra, Antonio não tem como viver, e passa a envolver-se com a máfia de Marselha, com quem convive, e com seus crimes, até estabelecer-se profissionalmente numa fábrica, casar-se, ter filhos e viver até a velhice.

A velhice e o delírio

À medida que fica velho, Antonio como a desenvolver sintomas esquizofrênicos e é internado numa causa de repouso, onde os problemas persistem, ainda que receba algum tratamento. Nesse tempo, o autor da obra, de mesmo nome do pai, já é adulto. O pai lhe pede ajuda, mas este não tem como resolver, pois não tem conhecimento necessário para isso. O que parece é que todos os seus delírios se relacional com momentos doídos de sua vida. Diante da incapacidade de se recuperar, e dos outros de recuperá-lo, Antonio se mata jogando-se da janela do quarto andar do asilo.

Embora a história parece intimista e minimalista, não se trata disso. Initimista, sim. Minimalista, porém, não. O incrível detalhismo das cenas ilustradas, além da complexidade de cada momento da história, tornam-na se uma leitura complicada. É uma obra imprescindível para quem se interessa por quadrinhos para o público adulto, e, seguramente, uma das poucas que tratam de problemas mentais. Ao contrário do caráter fantástico da anteriormente tratada “Solitário”, “A arte de voar” é história crua, em que o aspecto mental não é atenuado pelo humor mórbido do homem sozinho que não conhece o mundo. O que há é uma imersão nas aventuras, sim, mas nas dores vividas pelo velho Antonio.

O autor depois concebeu “Asa quebrada” uma história sobre sua mãe, essa com mais esperança e leveza que “A arte de voar”, que será tratada neste espaço um dia.

 



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