Skeleton Krew, 16-bits e o jogador criando a história

Como se contavam as histórias nos games antigos? É algo muito difícil de se explicar para as gerações mais novas, visto que, atualmente, o jogador move uma dada personagem em todos os eixos, interage com o cenário e com outras personagens, abre gaveta e faz perguntas, lê documentos e recebe respostas. Em meados dos anos 1990, antes da consolidação dos jogo em 3D “Tetra Pak”, que mal e mal abriram caminho para o aperfeiçoamento das linhas narrativas dos jogos, entender uma história requeria duas coisas: manual e imaginação

Uma forma burocrática de começar

Sem o manual, não tinha história. Os jogos não tinham como transmitir apenas na sua interface a história que estava sendo jogada. Basicamente, momentos de comunicação do jogo com o jogador eram feitos com painéis de letras na tela, as mais das vezes fora da interface de jogo, entre um ou outro estágio. No mais, toda a interação era com inimigos em movimento e toda a interface era dedicada à jogabilidade. Não havia espaço, na era 16-bits (Mega Drive, Super Nintendo) para o desenvolvimento de narrativa dentro do jogo, exceto pelos RPGs “turn based” como Breath of Fire, do qual falei aqui na semana passada. Por isso, ler o manual era a primeira forma de se ambientar com o jogo.

Quando recebi o mais excêntrico jogo que eu já zerei para Mega Drive, Skeleton Krew (Core Design, 1995), que possivelmente é tão desconhecido que estava na promoção e meu pai o comprou de Dias das Crianças em 1997, estava lá meu manual, e eu soube que meus personagens poderiam ser Rib, Spine e Joint, todos eles ciborgues: a primeira, uma mulher bem leve e rápida; o segundo, o principal e que equilibra força e destreza; o terceiro, um bruto soldado com um braço lançador de bombas. Soube que eles fazem parte do grupo Skeleton Krew, uma equipe de mercenários espaciais. Quanto a eles, tão somente isso.

O que eles fazem na história? Recebem, não se sabe de quem – o Governo de uma galáxia, talvez – a missão de invadir uma estação espacial, Monstro City, que está dominada por criaturas mutacionais de uma empresa chamada Dead Inc., e o primeiro ato do jogador é tomar o controle de Rib, Spine ou Joint quando eles chegam ao terraço da estação. Simples assim. O resto é… imaginação.

Ao longo de quatro horas de jogo, em média (há longplays em menos de uma hora), atravessa-se quatro estágios similares em estruturas e inimigos, porém diferentes em cores e texturas, o primeiro se assemelhando à parte externa de uma estação espacial, os outros ganhando ares mais de fantasmagórico, infernal etc. Um dos estágios se diferencia, pois é um elevador em que a personagem principal fica numa piscina de ácido, recebendo ataques um após outro e se defendendo o máximo possível, enquanto espera o fim da transição. Esse estágio intermediário surge entre diferentes estágios principais.

A parte gráfica ajudava a criar

Nesse ínterim, você imagina o que quiser. Nada mais é detalhado sobre a história de Skeleton Krew, o que era comum nos jogos de ação da era 16-bits – exceção talvez seja Demon’s Crest, de 1994, para Super Nintendo. Porém, a riqueza de imagens, exuberância de alguns inimigos e trilha sonora fazem com que a ambientação desperte a imaginação. Um dos primeiros chefes é uma cabeça gigante, de formas e proporções faraônicas, porém no estilo cyberpunk de todos os cenários e personagens do jogo. Para derrotá-lo, é preciso acertar suas duas proteções laterais, da armadura de seu rosto, semelhante a um nemés, ou chapéu de faraó. Depois, atingí-lo no centro. A ideia transmite uma sensação de que se está num misto do filme “Alien – o 8o passageiro” (Ridley Scott, 1979) com os livros de série Fundação, de Isaac Asimov.

A trilha sonora é um clássico dos anos 1990: o estilo minimalista e superdigital, embora hoje se perceba muito na fronteira com o analógico, da estética vaporwave. Esta que é muito presente nos gráficos, também. Ela existe num tom um pouco mais soturno, para encaixar-se com os cenários cyberpunk, os monstros e os próprios heróis, que, embora o sejam, estão muito mais na estética anti-heroica, assemelhando-se a músicos de black metal. Uma vez que só controlamos suas ações elementares (tiro, corrida, salto), não conhecemos suas personalidades e métodos, mas os imaginamos pouco moralistas no campo de batalha. Infelizmente, não temos acesso a diálogos, fugas, nada que os enriqueça, dependendo exclusivamente da criação pessoal do jogador, em sua experiência nos controles de Rib, Spine ou Joint contra a maligna Dead Inc.

No fim, era a sua história

Lembro-me de um caso que exemplifica isso muito bem, de quando eu jogava Skeleton Krew. Sempre que sua personagem morria duas vezes, a terceira a ser enviada era Spine, antes do Game Over. E, quando isso ocorria, eu imaginava Joint, meu favorito, caindo no campo de batalha e seu amigo vindo valorosamente em busca do companheiro, para assumir a tarefa de vencer a Dead Inc. e redimi-lo de sua morte. Rib eu nunca punha, porque eu entendia que a mulher do grupo cumpria com funções de inteligência dentro da nave, mas a imaginava lá, sendo a ciborgue que apertava o botão para eu reviver, antes de chegar a ser substituído por Spine. Ou seja, todo o companheirismo do grupo principal, que em Final Fantasy é retratado na interface do jogo, em Skeleton Krew vinha da minha imaginação. O jogo me dava as bases, mas eu enriquecia a história.

Atualmente, não vejo com saudosismo esse período. Melhor seria se esse jogo pudesse ser jogado à Dead Space, com menos componentes de terror e mais ficção científica. Porém, dificilmente Skeleton Krew será lembrado como uma atração digna dos milhões e milhões necessários ao desenvolvimento de um remake, embora um remaster para a steam seja factível e me pareça interessante. Aí é questão de fazer chegar às pessoas certas.



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