
Os Maias e a crítica do realismo ao realismo
O século XIX, na literatura, foi marcado, basicamente, por duas correntes literárias, uma até pouco mais que sua metade e outra, ao final. Desde o fim do século XVIII, a doutrina do sturm und drang, a tempestade e o ímpeto, determinou o surgimento do romantismo como idealização dos sentimentos humanos e da pureza do homem e da natureza. Na segunda metade, tal “romantismo”, assim denominado tal espírito do tempo, foi contestado em razão da pujança científica daquela segunda metade de centênio, já tendo o humano experimentado ou se conscientizado sobre o pior que a humanidade pode produzir com seus avanços técnicos e estruturas de trabalho, da indigência dos operários europeus à escravidão das periferias coloniais.
Da primeira metade nasceram pilares da literatura ocidental e de língua portuguesa, como a trilogia dos mosqueteiros de Alexandre Dumas, “Os sofrimentos do jovem Werther” de Goethe, “O último dos moicanos” de James Fenimore Cooper, “O Guarani” de José de Alencar. Da crítica à pureza e idealização, seja dos valorosos e impecáveis soldados de Luís XIV, seja do apaixonado jovem camponês, seja dos idílicos nativos das Américas e suas paixões pelas donzelas brancas, adveio o “realismo”, que desfazia ou mesmo debochava dessas abordagens. Obras como “Grandes esperanças”, de Charles Dickens, Germinal, de Émile Zola, Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, e “Os Maias”, de Eça de Queiroz, dominaram o cenário europeu do fim de centênio.
A autocrítica do realismo
De cima abaixo, Balzac, Flaubert, Dickens, Zola, Dostoiévski
Machado de Assis, gigante entre esses, estava ainda escondido em solo brasileiro, mas Queiroz tornou-se o representante prolífica literatura portuguesa, dentro do movimento. Já com “O Primo Basílio” (1978), o autor já tinha se notabilizado com a história de Luísa, a quixotesca leitora de romances românticos que, tal qual o Quixote ludibriado pelas novelas de cavalaria, que sai pelo mundo atrás de aventuras e amores inexistentes, sai esta em busca de um adultério tão somente pela romantização do mesmo.
Porém, depois de uma década, com o interlúdio do excelente romance de viagens “A relíquia” (1887), Queiroz lança, em 1888, “Os Maias”. Nele, a história é de Carlos Eduardo da Maia, filho de um homem que se perdeu de amores por uma mulher aproveitadora, cego diante de tanta idealização do amor cavalheiresco, e morre por amor, deixando dois filhos, um deles Carlos, e a outra que desaparece no mundo com a mãe. O avô, Afonso, cria Carlos Eduardo com o máximo rigor científico da época, para evitar que o filho caia nos mesmos erros do pai. Entretanto, bon-vivant e conquistador que se torna, Carlos termina por envolver-se com a própria irmã, Maria Eduarda, já que não tinha sido criado com ela para sabê-lo.
O auge do movimento
De cima abaixo, Eça de Queiroz, Machado de Assis, e original da obra "Os Maias" no museu da Universidade de Coimbra, Portugal
A incontrolabilidade dos desenlaces da vida pela racionalidade, que emerge em Eça de Queiroz, é única dentro do realismo, e se alinha ao fatalismo de Dickens e à crueza de Zola para constituir o ponto mais alto do realismo europeu, acima dos precursores “Ilusões perdidas” (1937), de Honoré de Balzac, e “Madame Bouvary” (1957), de Gustave Flaubert. À parte das tradições francesa, inglesa e portuguesa, Dostoiévski brilharia solitário no realismo místico religioso na Rússia e Machado de Assis no realismo psicológico no Brasil.