
O Nome do Vento: uma saga interminada de autor vivo
Quem era fanático por livros no início dos anos 2010 e visitava as prateleiras e mesas de exposição das grandes livrarias, mais numerosas àquela época, vire e mexe dava de cara com o livro de um bardo ruivo contemplando uma planície e, ao fundo, uma edificação em estilo fantástico. Aquele era “O nome do vento” (2007), de Patrick Rothfuss, publicado em mais de 500 páginas, no Brasil, em 2009 pela Editora Arqueiro. Três anos mais tarde, viu o mesmo jovem ruivo, ainda de costas, desembainhando uma espada no meio de uma floresta, publicação original daquele mesmo 2012. “O Temor do Sábio” era a sequência da obra, pela mesma editora, esse atingindo quase mil páginas.
O livro era um épico infanto juvenil com características de uma obra de ficção científica. Não tirava pé da idade média, mas descrevia seus melhores momentos, nós e desenlaces muito mais com entendimentos científicos dentro de um mundo mágico, do que com a tradicional magia que se solta por mãos, cajados ou varinhas. Também abria imenso espaço para a música, transformando um bardo, geralmente uma figura terciária e de alívio cômico nas principais histórias, no protagonista. Quem tomou aqueles livros nas mãos e resolveu apostar neles, garantiu uma diversão inovadora no gênero.
Até que a série acabou. Ou, ao menos, entrou num hiato interminável, sob a desconfiança de que jamais conheceremos seu fim. Sobre essa série, amplamente nomeada “A crônica do matador do rei”, vamos falar agora.
Uma trupe de bardos, um inimigo sombrio, um jovem órfão
Assim começa “O nome do vento”. Kvothe, o protagonista, é uma criança parte de um povo chamado “Edena Ruh”, que vive mais ou menos como ciganos, rodando o mundo de forma itinerante e se apresentando em festas das cidades, aprendendo e entoando músicas e quaisquer outras formas de entretenimento. Com um princípio de infância feliz, Kvothe vê sua trupe ser atacada por um grupo misterioso de homens vestido de preto, chamados “Chandriano”, que destroem sua família e deixam apenas a criança sobreviver.
Kvothe passa a viver nas ruas de uma grande cidade próxima, e, entre a fome e a fortaleza interior, consegue ali crescer e, contando histórias e prestando pequenos serviços, estuda autodidaticamente e consegue submeter-se aos exames da Universidade, apenas assim denominada, o maior centro de conhecimento do mundo. Sob muitos narizes torcidos dos examinadores, que admitem seus novos alunos por meio de um escrutínio oral, não por prova vestibular, Kvothe consegue passar e vai conviver com a discriminação de um Edena Ruh em meio a uma instituição dominada pelos mais altos-estratos de elite daquele mundo.
Está dada a narrativa. A partir daí, inimigos surgirão dentro da Universidade, descobertas virão sobre o Chandriano – acadêmicas ou nos becos escondidos das vilas próximas – e missões lhe serão dadas fora da instituição, à medida que Kvothe for se notabilizando como bardo e também como um dos melhores magos, híbridos de magia com ciência, daquele mundo. Único capaz de chamar “o nome do vento”, daí o título do primeiro livro. Ele é um mestre na arte da linguística, como já se supunha por ele vir dos Edena Ruh.
Viagens e amores
Como, para cumprir com uma das principais características de um bom épico infantojuvenil, o protagonista tem de rodar o mundo, “O temor do sábio” se passa numa missão fora da universidade, para servir a um nobre de uma cidade nortista que tem problemas para declarar seu amor a uma mulher. Como ele é um bardo, aceita o trabalho, mas o principal é que a nobreza sempre pode oferecer novas informações sobre o Chandriano, inimigo desconhecido, porém principal, de Kvothe.
Nessa viagem, ele vive seus principais amores, um deles com Denna, uma cortesã que ele já conhece como tal nos arredores da Universidade, mas descobre-a servindo aos principais nobres da cidade. Também, durante uma jornada encomendada para o interior de uma floresta perigosa e, por isso, pouco explorada, descobre uma ninfa chamada Feluriana, que o enlaça em seus encantos e o mantém lá por um tempo indefinido, que pode ter durado de meses a ano. Com o tempo, ele descobre que ela pretende retê-lo para sempre, como um objeto interminável de seu prazer – e o dele -, mas que como criatura imortal ela o aprisionará ali até a morte.
Ele consegue se desvencilhar de Feluriana usando seus mesmos poderes de bardo e de mago das palavras, retorna ao nobre, recebe por seus serviços, não vê mais sinais de Denna e retorna à Universidade, onde vive os últimos momentos narrados no volume. Estes, sempre intercalados como um passado narrado num presente, em que Kvothe é o dono de uma taberna, aparentemente fracassado em tudo que tentou, mas que é buscado por um monge cronista para contar sua história, ainda não terminada, já que o Chandriano permanece uma realidade distante.
E o terceiro?
Spin-offs foram lançados, entre eles, o principal, "A música do silêncio", sobre uma menina que vive nos esgotos da universidade, que se encontra com Kvothe e se torna sua melhor amiga naquelas dependências que lhes são tão hostis. Mas é um livro de poucas páginas.
Do terceiro, e possivelmente último volume das “Crônicas do matador do rei”, sabemos apenas o nome: “Os portões de pedra”. Rothfuss não dá detalhes, mas retirou-se da vida pública – que já pouco tinha – e vive no interior dos Estados Unidos, estudando química, sua área de formação, e outros enciclopedismos quaisquer. Pouco é entrevistado e, quando defrontado com a pergunta sobre o livro, diz que está se preparando e não é o momento. Já disso se contam treze anos, sem sinal de como termina a história de Kvothe.
Para os amantes da literatura infantojuvenil, é um misto de angústia e tristeza, porque se trata de uma história magnífica que pode realmente não terminar. Rothfuss é até jovem, 51 anos é idade baixa para um escritor, mas torna-se muito na medida em que isso se prolonga. Pior é se, dada a qualidade do material, uma gigante do entretenimento pegar para encerrar a história de Kvothe, transformando-a numa miscelânea de contemporaneidades pós-modernas que fariam dela qualquer tipo de “Anéis do poder” (2022), versão do universo tolkeniano corrompida pela Amazon Prime.
Resta esperar...