Eisenstein e as cenas de ação na literatura

Bernard Cornwell, que tem seus livros publicados no Brasil pela Record, foi meu mestre nesse assunto! Hoje passo rapidamente para falar sobre recursos para cenas de ação e sobre o escritor britânico Bernard Cornwell, fundamental para a criação das minhas cenas de batalha… Ainda falarei muito sobre ele e especificarei os livros que me inspiraram em muitas de minhas principais personagens (a maioria delas surge na narrativa após o livro II, que escrevi quando tomei contato com Cornwell).

Quem já leu “A Lenda de Florine” percebe o contraponto entre ação e fluxo de pensamento que marcam as cenas, por exemplo, da invasão ao Palácio Real por Véquios Verólglien, ou da batalha entre Gregório Andérsia e Marcus Lian. Esse recurso está muito presente na narrativa de Cornwell e, desde que tomei contato com ele, retifiquei muitos pontos dessas cenas no livro I, que já estava escrito quando descobri esta forma de escrever.

Cinema define atual forma de narrar

Cena da escadaria de Odessa, de "Encouraçado Potemkin" (1925) foi influenciar até às páginas da literatura. Vídeo abaixo.

Quem já estudou cinema sabe da famosa cena da escadaria de Odessa, no filme soviético “Encouraçado Potemkin” (Seguei Eisenstein, 1925), em que o diretor lança a grande “sacada” das cenas de ação: o fomento da ansiedade no expectador. Para quem não conhece, trata-se da cena em que um carrinho de bebê descontrolado está prestes a despencar numa grande escadaria, em meio a um cenário de revolta popular, e instantaneamente o expectador é tomado pela aflição quanto ao que vai acontecer à criança. Ao invés de mostrar imediatamente o desfecho da cena, que em tese levaria alguns segundos, o diretor alterna o gradual avanço do carrinho em direção à escadaria com cenas simultâneas que, juntas, demandam mais de um minuto.

O que se encerraria em alguns segundos, requer minutos de aflição diante da tela do cinema. Já parou para pensar que qualquer filme de super-herói americano utiliza este recurso, seja numa batalha do herói contra o vilão, seja num instante em que o protagonista tem de saltar de um avião? Pois é… mas a criação é soviética, e data de 1925.

Quem lê uma história ou assiste a um filme quer saber o que vai acontecer na sequência de fatos, principalmente o que vai acontecer ao personagem com quem mais se identifica. Dito isso, cabe ao ordenador desta história trabalhar esta expectativa no leitor de uma forma que a resposta a ela não seja abrupta, ponto fim à dúvida em questão de segundos, mas também não seja irresponsável e prenda o expectador por tempo demais, a ponto de entediá-lo (novelas mexicanas, por exemplo, são criticadas por abusar desse recurso desmesuradamente).

A cena de ação na literatura contemporânea sofre influência deste recurso do cinema e, dentre os autores que conheço, Cornwell é mestre nisso. E, se nas telas a principal ferramenta é o corte para cenas que ocorrem simultaneamente, prolongando a passagem do tempo, nos textos a relação fica ainda melhor quando nós, autores, fazemos segundos se tornarem minutos ao alternar a cena com os pensamentos e sentimentos daquele que a protagoniza.

O laço com o leitor

Em "Grande Sertão: Veredas", laço entre Riobaldo e o leitor é imediato. "Nonada! Tiro que ouviu não foi de homem não..."

Pois é… essa realidade em Cornwell é trabalhada sempre em paralelo com a expectativa da personagem: o que ela pensa, o que ela sente. Seja Derfel, em Crônicas de Artur, Uthred, em Crônicas Saxônicas, ou Thomas de Hookton, na Trilogia do Graal. Por isso a autora de Dêpressão Pós-Livro fala em medo, arrepios, e consegue se imaginar na cena. Ela já se identificou com a personagem, teme por ela, sente como se fosse ela.

Como criar esse laço com o leitor é um outro assunto, do qual ainda tratarei…

Mas encerro a questão afirmando que quando Véquios invade o palácio ou Gregório empunha Luxis contra Marcus Lian, a certeza que tive é de que trabalhar a cena sem atrelá-la aos sentimentos de seus protagonistas poderia torná-la insossa. Uma mera sequência de corridas e golpes desferidos contra inimigos, narrada em poucas páginas, definindo-se em questão de minutos. O laço entre personagem e ação torna o leitor parte da cena, na figura do herói, e por meio dele podemos transformar segundos em minutos, minutos num tarde inteira de leitura. O sentir da personagem, elevado à mesma dimensão da ação, é a escadaria de Odessa dos escritores. E torna incrível uma cena de ação.

Em síntese, o desafio é fazer coexistir o tempo psicológico e o cronológico, impedindo a cena de se passar em questão de segundos, ainda que, na “realidade” da narrativa, o tempo tenha sido esse.



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