O cinema nacional depois do Oscar

Um dos balizadores das críticas ao cinema brasileiro é o não reconhecimento interacional, o que, em artigo anterior, já discuti ser desconhecimento. O país, na noite de ontem, já tinha vencido todos os principais prêmios do cinema, sendo o Oscar o último, mas em razão de dificuldades de distribuição e idioma para um jurado não tão especializado, em comparação com os prêmios europeus. Ou seja: sempre foi mais difícil enfrentar americanos e europeus num prêmio eminentemente americano, é claro, e vide o fato de que "Democracia em vertigem', de Petra Costa, foi derrotado por "Indústria americana", um bom fillme também, mas que não lhe deu chances porque era produzido pelo casal Obama. Isso acontece para todos: sempre há o americano que concorre contra você, votado por um jurado americano (agora, com a colher de chá de mais votantes estrangeiros, que já permitiu intrusos como "O parasita"). Porém, a desvantagem também se abatia pelos campos do orçamento, sendo os europeus, historicamente, mais investidores em cinema que o Brasil, e na distribuição e idioma. Neste último, mesmo os companheiros de América Latina e boa parte dos africanos e asiáticos próximos à Europa tinham vantagem, publicando em inglês e distribuindo mais rapidamente em salas de cinema. O México, ainda por cima, sempre contou com diversos profissionais atuando diretamente na indústria americana, já que Los Angeles está a 218 quilômetros de Tijuana.

Porém, é necessario olhar para desafios a serem vencidos após a quebra da barreira do Oscar. O engajamento que os brasileiros fizeram durante a campanha de "Ainda estou aqui" foi jamais visto pela Academia, e levantou a audiência da cerimônia seja no seu transcorrer, seja na atenção que chamou para ela nos últimos três meses. Os americanos, que fazem esta cerimônia - não nos enganemos, decadente - viram no Brasil uma possibilidade de serem uma Copa do Mundo anual dos filmes. Isso era perceptível na agenda da noite de ontem, já que os prêmios em que o país concorria ficaram como alguns dos últimos da noite, o que não é normal para Melhor Filme Internacional, embora, vá lá, tenham subido só duas ou três posições na escalação de Melhor Atriz. Portanto, se esta porta está aberta, o que o Brasil precisa fazer para voltar a ter indicados e vencedores, tornando-se, finalmente, um país com tradição reconhecida em cinema? A tradição existe, mas sempre foi maculada por problemas vários, desde o pouco interesse do público até produções de qualidade duvidosa com dinheiro público. Como fazê-la ser compreendida como realidade e retornar ao prêmio hollywoodiano?

O Brasil precisa, justamente, encher suas salas. "Ainda estou aqui" só alcançou esse enganjamento porque fez sucesso no país. Não pode um cinema nacional ser restrito à sua elite intelectual ou comprometida com sua causa. È preciso que filmes variados, escolhidos com critérios mais rígidos quando com financiamento estatal, alcancem salas de cinema em situação de competir com as produções estrangeiras. E não adianta distribuir dinheiro por todo o país, a fim de desconcentrar a produção da cultura, numa arte tão cara. É bom deixar o pensamento social para outras áreas, pois nem os americanos o fazem, estando a indústria concentrada na Califórnia. É necessário que filmes, não importa sobre que lugar do Brasil, sejam feitos por estúdios num lugar como São Paulo, já de logística, infraestrutura e pessoal mais adequados aos desafios do cinema. Quer fazer filme sobre o Amapá, Pernambuco, Minas Gerais? Faz em São Paulo, sobre esses lugares. Se necessário, vá às locações, mas a sede do filme é São Paulo. Quer empregar gente de fora de São Paulo? Abra concursos e encoraje pessoas de todo o país a se qualificarem e concorrerem, criando núcleos de formação e dali saindo os melhores, mas que se destinam ao ponto central. E frise-se, aqui, o verbo querer: a indústria há de decidir quais trabalhadores emprega, não deve ser forçada por cotas governamentais, mesmo que com dinheiro público. Um setor que compete no mercado não pode seguir a mesma lógica da Universidade ou do serviço público, ainda que pareça justo. O dinheiro é para oferecer cultura nacional aos países, não exatamente para escolher profissionais e fazer justiça a grupos sociais A ou B. Talvez, porém, seja o caso de editais privilegiarem temas, a fim de não viciar os produtores em comédias besteirol, filmes sobre criminalidade e afins, figurinhas fáceis do cinema nacional.

Na mesma linha: menos filmes sendo aprovados em financiamento. Ou seja: o mar de filmes que são feitos, sem que a gente sequer os conheça, continuam sendo ok vindos da iniciativa privada, ou de pequenos editais municipais ou estaduais de cultura em geral. No ano passado, segundo a própria Ancine, foram 212 títulos lançados, com algum dinheiro público em boa parte deles, e ninguém viu dez filmes nacionais. Por isso, os editais específicos para cinema, sobretudo ligados à Ancine, devem contemplar menos produções. E por quê? Porque cinema é caro, e quanto mais dinheiro estiver nas mãos das pessoas certas, melhor. Walter Salles já fez três filmes memoráveis na história do cinema latino (infelizmente, ainda não mundial), a saber, "Central do Brasil", "Diários de motocicleta" e "Ainda estou aqui", porque é um bilionário e se banca. Ontem, era o homem mais rico em todo o teatro Dolby, possivelmente. Todo o Brasil deve a ele, agora, seja porque ele venceu o Oscar que tanto esperávamos, seja porque devem dinheiro ao Itaú, mesmo. Portanto, se Walter Salles, José Padilha ou Fernando Meirelles não precisam do dinheiro público, Kleber Mendonça Filho, Petra Costa, Bruno Barreto, Cao Hamburguer dentre outros, sim. E cabe ao Estado encontrar mais. Contudo, poucos filmes, o que inicialmente resulta em menos chances para novos cineastas, mas, na outra ponta, impacta a qualidade das produções porque permite melhores orçamentos, mais qualidade, salas mais cheias, mais engajamento, mais prêmios.

Mas o elemento chave, aqui, são as salas cheias. Filme é para enriquecer a cultura do país e entreter seu povo, não para ser aplaudido por gringos. A questão é que o brasileiro gosta. É um cidadão do mundo preso por um hemisfério e um oceano.

Movendo essas peças, possivelmente, agora que a barreira do viralatismo do país sem Oscar caiu, o cinema brasileiro tem um bom caminho pela frente, a fim de criar uma tradição cinematográfica de ponta. Some-se a isso que a internet, hoje, reduz o isolamento logístico e de idioma de que tanto falo aqui, e isso ficou claro nesta campanha para o Oscar. Agora, todos sabem quem somos, a respeito do potencial de transformar uma festa decadente num boom midiático. Como o dinheiro sempre fala muito alto, seguramente não se esquecerão. E, ainda, as produtoras de streaming já vão olhar com olhos mais generosos para o país, ao investirem seu dinheiro em produções originais. Isso pode abrir um importante flanco para produções da iniciativa privada, desafogando o financiamento público, permitindo a este ultimo uma escolha mais enxuta e qualitativa.



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