O Brasil não ganha prêmios internacionais? Por quê?

Domingo de Oscar e, como acontece a cada vez em que algum tipo de reconhecimento internacional pode ser prestado ao Brasil, milhões de brasileiros esperam ansiosamente para assistir à cerimônia e torcer pelo filme "Ainda estou aqui", que representa o país. Representa o Brasil, e não exclusivamente seus profissionais, porque fala da história do país e envolve, em sua produção, centenas de brasileiros. Em sua consecução, porém, esse número vai muito além, porque milhares de pessoas se esforçaram para formar aqueles profissionais e servir profissionalmente e pessoalmente a eles das mais diversas formas, no passado e no presente, para que seja possível eles estarem ali. Não é verdade que o filme, assim como qualquer atleta em tempos de Copa e Olimpíada, atuem tão somente para si mesmos, como dizem algumas vozes como a do jornalista Flávio Gomes.

Entretanto, fica a sensação de que, esporte à parte, o reconhecimento do Brasil é pequeno. Nunca o país venceu o Oscar, ou na prática nunca, porque tecnicamente a artista plástica Luciana Arrighi venceu o Oscar em 1994 pela direção artística do filme "O retorno a Howards End", uma desafiadora reprodução de época, num filme passado na Londres dos anos 1910. Nascida no Rio de Janeiro, Arrighi passou a maior parte de sua vida na Itália e na França, sendo casada com um australiano. Ou seja, é uma pessoa do mundo, que viveu parte pequena da infância no Brasil. Para todos os efeitos, porém, o Brasil conta nas estatísticas como país vencedor do Oscar. O mesmo vale para o prêmio Nobel, láurea para cientistas de diversas áreas, pacifistas e literatos, em que o Brasil foi vencedor em 1960 com o petropolitano Peter Medawar. O nome, contudo, já denuncia: era um inglês com origens libanesas, filho de diplomata, que viveu no Brasil os seus primeiros anos. Por não servir ao Exército nos anos 1940, ainda perdeu a cidadania brasileira, no esforço de guerra para a Segunda Guerra Mundial empreendido pelo presidente Getúlio Vargas, que terminou no combate da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália.

Claro que a falta de identificação com os dois vencedores, ainda mais porque eles próprios são identificados com outros países, faz com que os brasileiros erroneamente os desconsiderem como vencedores dos prêmios que o país persegue, embora as próprias academias que concedem os prêmios os considerem representantes brasileiros, só com representação dividida com outras nações. Nada diferente dos vencedores do Oscar, na década de 2010, Guillermo Del Toro e Alfonso Cuarón, ambos mexicanos há muito radicados nos Estados Unidos. Contudo, a espera dos brasileiros pela vitória de "Ainda estou aqui" na condição de país debutante, assim como foi, recentemente, com as indicações de Zilda Arns e Luís Inácio Lula da Silva para o Nobel da Paz, é justificável. Os anseios pela vitória de uma obra, artista ou figura pública reconhecida pelo país são óbvios.

Pese-se aí, também, as vitórias expressivas do Brasil em prêmios menos midiáticos que o Oscar e o Nobel. O país empilha Grammys, o Oscar da música, embora a natureza confusa desta láurea, que sequer tem uma cerimônia oficial, disperse seus vencedores, dentre os quais estão músicos desde Anitta até o guitarrista Kiko Loureiro. Na arquitetura, duas vezes o Brasil venceu o Pritzker, uma delas com o lendário Oscar Niemeyer. Na matemática, recebeu a Medalha Fields, com Artur Ávila, que resolveu um problema matémático investigado por cientistas há decadas. Mesmo no cinema, todos os prêmios que não o Oscar já foram vencidos pelo país: Globo de Ouro, BAFTA, Palma de Ouro, Urso de Ouro, César, Goya etc. Todos com variadas produções cinematográficas. Portanto, não é verdade que haja carência de reconhecimento internacional para trabalhos brasileiros. Há algum infortúnio quanto aos prêmios midiáticos.

Isso se deve a um fator fundamental: tais prêmios são menos especializados, contando com conselhos variados, cujas oportunidades são dadas a quem mais aparece, não necessariamente a quem faz o melhor trabalho. Vide as láureas a Barack Obama pela Paz, no Nobel, ou o que deve acontecer, nesta noite, em favor do filme francês mascarado de mexicano "Emília Perez". O dinheiro e a super-exposição falam mais alto que o mérito, simplesmente porque os julgadores já vêem alguns candidatos com olhos mais generosos, dada a intensidade com que eles se fazem presentes no seu dia a dia. O brasileiro é o exótico, no mundo, mais até que seus pares na América Latina. Pelo dinheiro, naturalmente, mas, se comparado a hispânicos, africanos e árabes, pelo idioma e pela logística.

O que parece um fator besta, na verdade, é um abismo entre o Brasil e o mundo. Um país que está a um oceano e um hemisfério dos principais centros culturais, naturalmente, será menos visto que outros que lhe são iguais em matéria econômica. Irã, Turquia, Índia participam da cultura global muito mais ostensivamente que o Brasil. A ativista Malala, ainda que paquistanesa, situa-se num problema global: a situação da mullher nos países tomados pelo fundamentalismo islâmico. Lula, embora tão relevante quanto a ativista de ONGs internacionais, e mais meritório ao tirar 40 milhões da miséria, está envolvido num contexto que é alheio aos estrangeiros: golpe, ditadura, Lava-Jato, neoliberalismo, privatização. Quando muito, pode ser conhecido por ser o antagonista do Bolsonaro, o fundador do BRICS, o combatedor da fome, mas isso o inscreve no círculo dos admirados por setores especializados, não tanto das referências mundiais.

Já o português é um idioma que, embora seja o sexto mais falado no mundo, é praticamente restrito ao Brasil. Portugal é um país pequeno e periférico da Europa, e os demais países, a maioria na África, mais Timor Leste, na Oceania, e a Região Especial de Macau, na China, são tão economicamente atrasados que não conseguem penetrar a indústria cultural a ponto de disseminarem seu idioma pelo mundo. A maior parte dos países africanos e do Oriente Médio, por outro lado, produz cientificamente e artisticamente em francês e inglês, os latinos-hispânicos em espanhol (que é o segundo idioma mais falado dos Estados Unidos, além de a Espanha ser um dos países mais relevantes da Europa) o que multiplica as chances de serem lidos e consumidos pelo restante do mundo, deixando segmentos especializados e chegando aos segmentos médios e populares. E, não idealizemos, os jurados de concursos midiáticos, embora não sejam populares, estão mais para segmentos médios que especializados.

A possível derrota de "Ainda estou aqui" para "Emília Perez", desta forma, nada tem a ver com a qualidade da produção científica e cultural brasileira. Tem mais relação com a baixa qualidade dos jurados, que serão, não sabemos se o suficiente para tirar a estatueta da produção brasileira, ludibriados a votar num embuste regado a xenofobia e imperialismo francês, mas que despejou uma cachoeira de propaganda de si mesmo nos últimos dez meses aos avaliadores hollywoodianos. Será a mais injusta derrota do século, que foi tomado por injustiças históricas e vitórias de filmes medíocres, mas os próprios votantes não sabem disso. E veja que, não fossem os rolos todos em que o filme e seus artistas se meteram no mês final de campanha, sequer o filme brasileiro teria chances. Isso para não dizer que a vitória de Fernanda Torres beira a ilusão, até porque Demi Moore fez um bom papel, e é uma decana de Hollywood. Essa já fica na base do "tudo pode acontecer".



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