
Salt and Sanctuary e o soulslike em 2D
O renascimento dos jogos 2D, nos últimos anos, tem profunda relação com o surgimento dos jogos independentes e sua difusão em plataformas como a Steam, bem como por diversos youtubers especializados em games alternativos. Ou seja, criou-se um mercado bem definido, inicialmente ao gosto de gamers mais experientes, mas depois turbinado pela febre na internet e sua associação com padrões mais recentes.
Um desses padrões é o soulslike. Um tipo de jogo em que o máximo de perícia é exigido do jogador, em que ele tem poucas chances de sobreviver a um inimigo e, se não, sua possibilidade de retorno é restrita, usualmente sem os pertences que carregava na tentativa anterior. Os pontos de salvamento são raros e, recomeçando, o jogador só pode reencontrar seus itens no lugar onde morreu, ou então deve juntar tudo novamente. Tal nome advém do título que inaugurou o gênero, Dark Souls, que pirou a cabeça de muita gente na virada dos 2000s para 2010s.
Velho Metroid e moderno Dark Souls (abaixo) fundaram o gênero
Embora fique distante do gosto de gamers mais esporádicos, para os amantes da dita 8a arte o soulslike é uma chance de tirar o melhor de si ao jogar um jogo. Por isso, move milhões de jovens em todo o mundo. A isso, acrescente-se o mundo completamente aberto da maioria deles, com cenários diferentes em que é necessário ir e voltar para cumprir missões.
Isso existia já no tempo dos jogos plataforma, em títulos como Metroid e Castlevânia, o que, à época, criou o neologismo metroidivânia para definir o gênero de jogos 2D com ampla alternância e organicidade de cenários, em vez do progresso de fases.
Nesse caso, soulslikes em 2D assimilaram características metroidivânia, criando uma onda de jogos indie nesse estilo, entre eles aquele do qual falamos hoje: “Salt and sanctuary” (2016), um jogo que vai te fazer morrer e passar muita raiva, mas, ao mesmo tempo, encantá-lo com seus lindos gráficos desenhados à mão e sua organicidade que reúne mais de 600 itens combináveis para formar armas, armaduras e poções, além de inimigos ordinários e chefes tão variados que lhe tomarão muito tempo de jogo e diversão (ou não).
A princesa, o navio, a ilha perdida
Estilo lembra o plataforma convencional, mas em mundo semi-aberto
Pontos de salvamento envolvem culto a múltiplos deuses
Inimigos importantes são desafios que requerem perícia e estratégia
O começo de “Salt and sanctuary” é bem clichê, na verdade: você monta seu personagem com base em arquétipos de paladino, clérigo etc, que definem seus poderes, além de raças e ajustes que definem sua aparência. Depois, percebe-se num enredo em que você é o guarda-costas de uma princesa que está sendo transportada para o reino onde será seu casamento. Durante o caminho, um monstro marinho faz o navio afundar e o protagonista chega a uma ilha desconhecida e fantasmagórica, de onde deve encontrar formas de sair.
Está dado o roteiro, o resto será descoberto de forma não linear, à medida que se encontra documentos espalhados pelos diferentes ambientes da ilha: cidades abandonadas, templos, florestas, palácios soturnos etc. Muitos caminhos especiais levam a documentos, personagens isoladas não-jogáveis (NPCs) que vão dizer coisas, e inimigos principais que darão pistas mais claras sobre o que está acontecendo e contra quem você esta lutando, além do paradeiro da princesa. Assim, segue-se em frente não linearmente e, conforme o grau de imersão e esforço em cumprir com todas as tarefas e desafios do jogo, mais próximo da verdade o jogador estará.
Uma extensa árvore de habilidades é desenvolvida. Ou seja, no menu do jogo, o jogador acessa uma gama de perícias e progressos de atributos como força, magia e resistência, que sobem à medida que se coleta experiência quando se mata cada inimigo ou se executa cada tarefa. Os oponentes especiais dão experiência melhor. O progresso do jogo é salvo a cada vez em que se encontra um templo de uma divindade perdida. Neles, pode-se decidir cultuá-la ou não, sendo que são vários deuses diferentes, de modo que isso determina os desdobramentos da história.
A história mora nos detalhes
Mapa e árvore de habilidades complexos como os melhores do gênero
O jogo, ainda que muito simples na aparência, recebeu altíssimas notas nas resenhas especializadas e agregadores, porque seu tesouro está na organicidade, na variedade e na minuciosidade. A não-linearidade é parte importantíssima disso, e por esse motivo é essencial que a história não progrida exatamente com o avanço do jogador. Os fatos e informações são montados na ordem em que se descobre as fontes de informação, indo e vindo pelos muitos cenários. Não é um progresso lateral, como nos plataformas tradicionais, nem um filme, como nos jogos modernos de ação e aventura. É um jogo de desafios técnicos e mentais, um quebra cabeça tanto para a história, quanto para o progresso da personagem, como para o encontro das estratégias corretas para vencer dificílimos inimigos.