V: A Batalha Final, aliens e a guerrilha do bem

O espectador de cinema, especialmente o público nerd, sempre foi fascinado com histórias sobre extraterrestres. E, se hoje há muitas histórias elaboradas sobre o tema, principalmente o filme “A chegada” (2016), de Dennis Villeneuve, o qual fortemente indico pela inovação na abordagem da invasão alienígena e profunda discussão sobre linguagem e aprendizado, no passado histórias bem caricatas eram a regra.

E uma delas decidi destacar aqui, que foi febre nos anos 1980, exibida no Brasil pela Globo em horário nobre, depois das novelas. Trata-se de “V: a batalha final” (1983), dirigida por Kenneth Johnson, que seis anos antes fora responsável por uma das primeiras séries para TV sobre o Hulk da Marvel. O original americano era apenas “V”, tendo duas temporadas, das quais a segunda vinha com o nome que foi adotado para ambas no Brasil.

O mal sempre se disfarça (sem spoilers)

Nesta série, acompanhamos vários núcleos de heróis que vão se encontrar ao longo da história: um cinegrafista e seu assistente, um grupo de cientistas, uma garota colegial sonhadora etc, que acompanham, em seus diferentes contextos, a chegada de imensas naves extraterrestres por toda a Terra. Apreensivamente, eles querem saber quem são os invasores, o que eles descobrem rapidamente, porque, sem atacar, as naves fazem contato, e se dizem apenas visitantes que querem aprender com os humanos.

Mais: eles são, aparentemente, quase iguais a nós, apenas com a voz diferente, meio eletronizada. E, desta forma, começam a desenvolver laços de amizade por todo o mundo – na narrativa, com as personagens localizadas nos Estados Unidos – despertando curiosidade de cientistas, suspiros das garotas, admiração e interesses dos políticos. Contudo, o cinegrafista da história, Mike (Mark Singer), com sua curiosidade jornalística, escolhe desvendar quem são os amigos ETs, infiltra-se numa nave e descobre que eles são alienígenas reptilianos. Seres malignos, que se alimentam dos nossos pequenos animais, tendo seu planeta sido destruído, e querem os recursos da Terra.

A formação da resistência (com spoilers)

Tudo isso não é spoiler, porque é questão intuitiva e resolvida em um episódio. Depois de perceber que são inimigos, Mike resolve ir à imprensa, porque fez imagens daquela espécie em sua nave. Porém, àquela altura, a amizade dos extraterrestres com os políticos e a elite norte-americana faz com que ele não tenha espaço na mídia. É obrigado a começar uma comunicação de guerrilha para alertar as pessoas, e, do outro lado, começa uma campanha de ferramentas nazistas, à Goebbels, para induzir a amizade das pessoas por aqueles que lhes vão destruir.

Entre idas e vindas da história, numa série de linguagem antiga, em que o eixo dos fatos muda muito gradualmente e as expectativas do que vai acontecer ficam, em vários episódios, no quase, Mark consegue reunir as personagens dos diferentes núcleos principais. E, assim, formam-se os guerrilheiros da resistência, que se comunicam com o mundo fazendo atentados e pichando o símbolo V, de vitória – victory – numa parede ou muro próximo.

O que começa com uma resistência débil com armas convencionais, termina por se fortalecer com a pesquisa científica. Os acadêmicos do grupo de resistentes descobrem que os alienígenas, apesar de terem escolhido vir à Terra como única opção, são absolutamente frágeis ao composto mais abundante do planeta: água. E, por isso, fazem de tudo para controlar suas fontes doces e salgadas. Começa, assim, uma campanha por infiltração em núcleos hídricos, pela posse da água como arma contra os ETs. Esse, após muita ação, é o caminho para a vitória dos humanos, que concentração a guerrilha no uso da água como armamento.

Ah, a Guerra Fria!

O período entre 1950 e 1990, permeado pela relação de rivalidade e medo construídos pelos Estados Unidos quanto o socialismo, e geopoliticamente com a União Soviética, construiu a tradição dos filmes bíblicos, como já discutimos aqui, para amedrontar as pessoas quanto ao ateísmo soviético. Outra tradição foram os filmes de aliens invasores: uma forma de mostrar a força do povo americano como resistência, já que os Estados Unidos só viviam, como vivem desde então, como os próprios invasores de outros lugares aqui mesmo, na Terra.

Identificando o inimigo como de características nazistas, o que trabalha um maniqueísmo rasteiro – quem vai ser a favor do nazismo, não é mesmo – facilmente remete-se ao stalinismo para a maior parte dos americanos. A invasão externa ao nosso planeta assume o papel de mostrar aos americanos a capacidade deles, como povo, de se organizarem e defenderem, algo que eles viam apenas da parte dos ditos inimigos a quem invadiam.

“Cuba, Nicarágua, Angola, Irã? Não, aqui nós também teremos a nossa resistência, se necessário for, e nossa missão será virtuosa, ao contrário dessas que a gente vê por aí”, era a mensagem desses filmes, dos seriados americanos e japoneses, até “V: a batalha final” e “Independence Day” (1996), consagrado filme dirigido por Rolland Emmerich.



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