
Blade e o retorno do faroeste ao samurai
Desde muito tempo já se constata a semelhança narrativa entre as histórias de cowboy no faroeste e as de samurais no Japão feudal. Um homem que resolve tudo na base de sua pistola, ou de sua katana, sem nada a perder. Uma mocinha frágil. Nesse meio, toda sorte de bandidos e outras facções controladoras de riquezas, contratando ou perseguindo o mocinho e a mocinha conforme os seus interesses e o contexto da obra.
Pois bem, o mangá “Blade – A lâmina do imortal” bem poderia ser um “Bravura Indômita”, filme de 1959 com direção de Henry Hathaway e atuação vencedora do Oscar de Melhor Ator para John Wayne, com remake igualmente respeitável feito em 2010, feito pelos Irmãos Cohen e com indicação ao Oscar de Melhor Ator para Jeff Bridges. Neste filme, um velho e aposentado mercenário, Rooster, decide atender ao chamado de uma criança, a menina Mattie, cuja família foi assassinada por criminosos. O inusitado da contratante ser uma criança e o herói ser um aposentado cheio de problemas com álcool e depressão criou uma história lendária.
Contudo, como estamos falando de “Blade”, nele temos a história de Manji e Rin: um ronin – ou seja, um samurai sem mestre – que tem fama de imortal por ter vencido uma batalha contra mil guerreiros, e uma garota herdeira de uma casa de uma casa nobre de samurais, mas que foi morta num conflito com outros dojôs, e se encontra órfã e quer vingança.
Não se sabe ao certo, mas pode muito bem ser a releitura de “Bravura Indômita” pelo cenário mangá, o que seria um retorno no caminho, já que boa parte dos faroestes de pouco depois do “Bravura Indômita” original são assim. São os chamados “faroeste spaghetti”, já que seus diretores, como Sergio Leoni, descendiam de italianos, e eram influenciados pelo cinema de samurais japonês. Entre eles, claro, os mais importantes eram os de Akira Kurosawa, um dos maiores cineastas da história.
Plena de reviravoltas
Acima, Manji e Rin, os protagonistas. Abaixo, batalhas do mangá (não confundir emblema budista de Manji com suástica nazista, cujo movimento circular é em sentido oposto)
Tornou-se meio clichê comparar as coisas com Game of Thrones (GoT). Tudo que tem conspiração, lá vamos nós falar que é um GoT assim e assado. Porém, história de “Blade”, sim, tem todas as características dos livros mais famosos, que lhe são posteriores. Quando Manji e Rin se unem, dezenas de facções se revelam, lideradas por interessantíssimas personagens, todas complexas e imprevisíveis.
Entre eles estão os membros dos dojôs Shingyoto-ryu, Mudai-ryu, Rokki-dan e o temido Ittô-ryu, responsável pela morte dos pais de Rin – a informação é dada já mas primeiras páginas de história. A série de reviravoltas e perdas de caminho, separações, uniões de ocasião entre os dojôs e deles com Manji e Rin, às vezes somente com um deles quando estão separados, gera um sem número de plots difíceis de descrever num artigo. Entretanto, há uma incrível quantidade de complexas personagens, com técnicas diferentes, à frente de poderosos dojôs buscando comandar o xogunato da era Sengoku, uma das mais violentas e instáveis da história do Japão.
Manga curto, para nosso prazer
Mangás geralmente têm dificuldade em se fazer acompanhados fora do grupo otaku, que são os ultra-fãs de cultura japonesa. Isso porquê são longos, alguns com centenas de volumes, que muitas vezes são lançados semanalmente ou sequer estão completos no Brasil, o que demanda paciência e dinheiro. No caso de “Blade – A lâmina do imortal”, não.
São 15 volumes, mais ou menos na casa dos R$ 50 reais cada. A leitura deste mangá, padronizado em 300 páginas por episódio, pode ser cumprida num dia, dados os seus aspectos visuais, de rápida leitura. Não espere, porém, ler apenas poucas frases por balãozinho: há muitos diálogos e muitas notas de rodapé, dadas as especificidades de informações sobre o Japão feudal e seus costumes, lidas naturalmente pelos fãs japoneses a que se destina inicialmente a obra, mas não para nós, pobres mortais não-otakus.