
Blind Guardian, Troia e a fundação da antiguidade clássica
Ainda tratando do tema do uso do épico para conquista militar, o qual discuti aqui, volto à guerra entre as cidades gregas e Troia para lembrar uma das mais importantes músicas da banda de power metal alemã Blind Guardian, a célebre And Then There Was Silence, que em seus 14 minutos fala da guerra na perspectiva dos troianos, e em como foram covardemente derrotados pelos gregos quando imaginavam que o conflito tinha acabado.
And Then, como é chamada pelos fãs, conta a história da queda de Tróia a partir da visão de Cassandra, irmã de Heitor e filha do rei Priamo, sobre o futuro sombrio que se aproximava da cidade. Ela reúne trechos de Homero e Virgílio. E, dessa forma, a letra da canção vai passando por todos os principais personagens da cidade devastada pelos gregos: Heitor, Páris, Eneias. Os momentos são muitos e, minuciosamente, à música se refere a cada instante dos dias de tormento pelos quais passam os troianos, diante do ataque dos gregos, que buscam recuperar Helena, esposa do rei espartano Menelau, que fugiu com Páris, príncipe de Tróia.
Apesar da valentia e do amor à terra dos troianos, que os impele a lutar até o fim, os gregos têm a seu lado a vontade dos deuses e, mais importante, Aquiles, o guerreiro mais forte do mundo. Banhado no rio Estige, no Tártaro, ele se tornou praticamente invulnerável, o que permite que ele mate em batalha o grande herói dos troianos, Heitor, o que rende um dos momentos mais emocionantes da Ilíada, quando a cidade chora a morte de seu príncipe e sente o presságio de que o pior está por vir.
Na letra de Hansi Kürsch, a morte de Heitor é retratada pelo pré-refrão.
I cannot be freed
I’m falling down
As time runs faster
Moves towards disaster
The ferryman will wait for you
My dear
And then there was silence
Just a voice from the otherworld
Like a leaf in an icy world
Memories will fade
Ao passo que o refrão evoca o âmbito geral da tragédia à qual foi submetida a cidade na costa da Turquia, deixando a mensagem de Eneias, que buscará reerguer seu povo, reunindo os sobreviventes para partir pelo mar em busca de uma nova terra. Ela, na poesia de Virgílio, será o Lácio, na península Itálica.
Misty tales and poems lost
All the bliss and beauty will be gone
May my weary soul find release for a while
At the moment of death I will smile
It’s the triumph of shame and disease
In the end
Iliad
Raise my hands and praise the day
Brake the spell, show me the way
In decay
The flame of Troy will shine bright
Como está lá no post anterior, Eneias é a personagem central da epopeia romana, que vai contar sobre sua luta por uma nova terra, que será o local onde está Roma. Desta forma, os romanos reivindicam a ascendência troiana e, dessa forma, afirmam-se os perpetuadores do legado dos heróis troianos da epopeia de Homero.
A despeito da finalidade política com que foi concebida a obra de Virgílio, diferente do mito-nação natural sedimentado pela narrativa de Homero, as duas obras se completam no contar da história do mais importante conflito armado da história antiga. E mostram, de fato, como diferentes versões de uma mesma história alçam ao papel de herói ou vilão uma mesma personagem, um mesmo povo. Com o tempo, ambas as narrativas voltarão a ser discutidas. Mas hoje, podemos encerrar o tema com esta canção.